sábado, 26 de fevereiro de 2011

Eu olho para você e torço o rosto, você está jogado em um canto qualquer, mas está ali. Remexo as feições, sem reação e sem ter o que pensar, me indagando com que roupa você estaria se fosse menos digno das que usa agora. Sem dizer uma palavra. Você começa a virar idéia. Sem perceber, meu corpo se inclina em sua direção, quase um deslize, uma dança sem coreografia e sem par. Um passo aqui, outro acolá. Instantes depois percebo que estou me aproximando, chego cada vez mais perto, não acho que quero – só acho. Estou tão perto, meus passos me enganam e me vacilam. O gosto da bebida na boca me escapa como todo dinheiro que gastei com ela e então eu olho para você. Não vejo nada, e você não percebe nada, você nem se mexe. Você me lembra o vidro, o que me lembra que posso quebrá-lo em vários pedaços, você vai fazer muito barulho, mas silencia – é conformista e brasileiro. Retiro meus sapatos, e descalça me sinto muito mais apta a dança, me sinto mais vulnerável a você, o seu rosto parece mais discernível em meio a tantos que te rodeiam. Você começa a virar prosa. Eu me sento e reponho meus sapatos, porque é educado e porque uma dama bem calçada atrai mais música e sensibilidade, meu rosto te cumprimenta, mas eu não sei (e não quero saber) seu nome. É confuso, mas sempre é. Eu te entendo e te discurso. Te espalho na mesa com os olhos, tento entender o que você diz, mas no fim não ligo. Você começa a ficar invisível. Eu levemente começo a olhar a falta de beleza na decoração do ambiente, os arranjos nas mesas, então olho para você e percebo a mesma coisa -  mas vale o esforço.Você ainda mexe os lábios, mas estou surda para qualquer teoria sua, besteiras, teorias de um gênio adolescente. Recomeço com a mão fechada sobre a outra, meu colo vai virando um abrigo. Você começa a virar poesia. Descanso, e sinto uma vontade imensa de ir embora, não me entendo. Você continua falando, me questiono se você tem conhecimento das bobagens que diz, porque eu não tenho. Você permanece com os olhos irritantemente piscantes. Eu te tento e te passo pelos cantos do lugar. Você me pede para dançar. Faço cara de sono, e me sento novamente na cadeira. Minto para você com a mesma facilidade que você pensa que consegue dançar. Te arranca uns passos feios e iguais aos de todo mundo, meus olhos fechados me revelam que realmente não me importo com a atmosfera do resto – tudo tão cinza. Eu abro os olhos, e te vejo novamente, você acena. Não via mais razão para dar-te atenção, não te via e não te vejo, não precisava te ver. Era tão imensamente desinteressante nesse segundo pungente, que meu rosto pendia para o lado, do mesmo modo que antes era atraído por você. Eu queria ir embora. Você começa a virar música, e felizmente, música acaba rápido.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Você não a vê mais, ela passou por entre seus dedos como aquela chuva leve e macia, que evaporou. Ela sumiu. Ela sumiu porque só faz besteira em sua presença, diz absurdos quando você a quer calada, e fica em silêncio quando mais deveria verbalizar. Ela te abraça quando você a quer longe, e grita com você quando você a quer perto, faz brincadeiras de mau gosto e sofre antes, durante e depois de te encontrar.
Ela sumiu porque viu que não há futuro e nem presente entre vocês dois. Ela sumiu por não conseguir lidar com esse passado que não se apaga e é fluido como ar. Ela sumiu por não ter quem a resgatar, sumiu porque é covarde, porque é atenta, meio fajuta e meio autêntica. Sumiu porque tem paciência, porque é ousada, porque sabe que ausentar-se é risco e sapiência. Sumiu porque está interessada, porque quer estar para sempre do seu lado.Sumiu para que você sinta sua falta. Sumiu porque sabe a que saudade faz mais que todo o amor e sua desajeitada e irrefletida permanência.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ressaca Moral.

Você acorda, sem saber exatamente aonde está. Se senta na cama e se questiona se foi atropelada por um caminhão. Dá o primeiro passo e tudo faz um giro de 360º, mas você está intacta, não se moveu. A noite passada foi boa, disso você se lembra, você se lembra do Jose Cuervo, do Johnnie Walker, do Jack Daniel’s e do velho Barreiro, mas se esqueceu dos tombos, das declarações de amor, do strip-tease, das lágrimas derramadas, disso você não se lembra! Até que o telefone toca. Você não sabe quem é, e não consegue se lembrar da voz do outro lado da linha.

E você não consegue mover os lábios, você está trêmula e derruba o celular, precisa se repor, moralmente e fisicamente. Cambaleando, você chega a cozinha e bebe um copo de água. A água está com um péssimo gosto, pode até ser comparada à sua consciência. Você fecha os olhos e quase consegue sentir a terra se movendo e neste mesmo instante se lembra, apenas alguns flashes, do que aconteceu noite passada.A única coisa que vem em sua mente é a palavra ‘desculpas’, você quer se desculpar com as suas amigas, com seus pais e até mesmo com aquele cara que não sai da sua mente. 

Você bebe outro copo de água. Parece que os machucados no seu pé, causados pela sandália, foram tão ruins quanto os causados na sua consciência. E então você percebe, que apesar de tudo se divertiu, mas não é isso que te pertuba. Você saiu de casa esperando uma noite comum, você nem estava animada, e de repente tudo volta em um giro monótono, todos sentimentos do qual você já tinha se livrado, retomaram, talvez até com intensidade maior.

Você se esqueceu que misturar pessoas também causa ressaca, mas percebeu que bebidas antigas são sempre as melhores. Ontem a noite foi sua, você dançava na pista e não se preocupava se ele estava com outra, ou pensando em você. Até que caiu a ficha, VOCÊ é quem estava pensando nele, primeira vez em muito tempo, e então, vocês se olharam diretamente e se beijaram, surreal!

Seus amigos te olhavam aterrorizados, eles passaram tanto tempo te dando colo, enxugando lágrimas, dando conselhos, e num momento de fraqueza você se entregou! Aquele carinha, que estava disposto a apagar essa parte do passado da sua mente, ele estava lá também, observando você retomar aquilo que ele tanto lutou para amenizar.

Hoje, o outro dia, como costumam dizer, é o dia da decisão! Você quer ligar, você quer tudo de volta, mas você não o faz! Você está confusa, mas sabe que não deve tentar trazer de volta tudo aquilo que te fez perder tantas noites de sono. E então você se desculpa.

Você se desculpa com a sua amiga, com seus amigos, com aquele carinha que passou a noite toda tentando apagar essa parte do seu passado. E você se desculpa pelo beijo, você não sabe exatamente porque, foi maravilhoso para você, mas você se desculpa, porque sabe que nem sempre é viável olhar pra trás.

Sua mãe diz que você não fez nada de errado.Seus amigos dizem que isso acontece. Sua amiga diz que também passou por isso. Aquele carinha diz que não vai desistir de você, a não ser que você queira. E ele? apenas diz que te adora!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Experiência de morte

Passo e ouço pessoas comentando ao meu respeito, vozes conhecidas, falando sobre mim, algumas até param e falam comigo, mas não é tão interessante quanto as que de mim falam sem o meu saber. São vozes que vem e vão, entrando e saindo de minha mente confusa. Sinto vontade de parar e comentar o assunto, mas prefiro me conter e aprender um pouco mais sobre mim, coisas que eu mesma não sei.
Algumas pessoas me tocam, e eu sinto cada toque, cada carícia, cada abraço. Costumo dizer que um ato físico pode dizer o que milhões de palavras não diriam. Pessoas que pegam em minhas mãos, me fazem querer corresponder ao afago. A angústia de não poder tocar uma pessoa, me deixa louca!
Enxergo apenas a sombra das pessoas, de pessoas que conheço, ou que sei conhecer, algumas nem me lembro totalmente. E mesmo assim, meu coração salta apenas com uma referência.
Eu não sinto meu corpo, mas sinto o do próximo. Minha mente está vagando entre o sono, lucidez e algumas imagens loucas que não sei de onde vem. Vejo pessoas desconhecidas olhando para mim, me olham de modo pacífico, porém preocupado. Estas eu vejo muito bem, quase acho que é um sonho, mas sei que são bem reais. Eu gostaria de tocá-las, e elas continuam sorrindo para mim. Pergunto-me - em pensamento – quem são estas pessoas. E como se eu pudesse ler suas mentes, ouço um “Você logo se lembrará de todos nós”. E logo sei, que posso não conhece-las, mas me lembrarei delas como velhos amigos.
Algumas pessoas chegam bem perto de mim e dizem que me amam! Quem são os donos destas vozes? Então me lembro e sinto uma lágrima rolando no canto do meu olho direito. E pelos donos destas vozes, ela suavemente é enxugada.
Eu estou rodeada de pessoas, mas sinto um pouco de solidão. A mais pura solidão. Porque nenhuma dessas pessoas me acompanham para onde eu estou indo? Eu não consigo interagir com nenhuma delas. Sinto como se estivesse em dois mundos, acho tudo uma loucura. Então me ocorre: será que estou morrendo?
E começo a me lembrar dos últimos fatos que me ocorreram: minha última refeição. Sinto o gosto do pão fresquinho e do café. Sinto o último beijo dado, na verdade não o último, mas o que mais me faz falta. Sinto um perfume maravilhoso... e ouço uma música suave, trechos de algumas músicas que gosto.
De repente, vejo imagens como em um álbum fotográfico, imagens com fatos de minha vida, alguns importantes e outros nem tanto assim. Estas imagens começam a virar túneis que me puxam, e como em uma explosão, as imagens somem. Então sinto minha vida se perdendo, desaparecendo para sempre. A solidão não para de crescer. Tudo o que eu quero é gritar, me levantar e reassumir a minha vida. Sinto vontade de ficar perto das pessoas que amo.
Então escuto um zumbido muito forte, e sinto mãos me puxando, apertando meu peito, massageando-o. Sinto uma terrível angústia, e muito medo. Ouço alguém chorar perto de mim, mas não consigo ver, está tudo escuro. E então, algo incrível acontece : eu começo a planar por sobre o quarto. Vejo a cabeça das pessoas. Vejo pessoas que amo chorando em volta de um corpo disforme, de aparência muito mal-tratada. Reconheço então o corpo que me pertenceu durante tanto tempo. Sinto uma espécie de liberdade, mas continuo com medo.
Mergulhei sobre as pessoas que amo, e sinto que elas estão tristes. Sinto uma pontada de culpa por ver o amor nos olhos destas pessoas. E então sou interrompida.
Alguém me puxa pelo braço e diz que é hora de ir. Imploro para ficar mais um pouco, eu não quero partir.
Então vejo as imagens se desfazendo em volta de mim, e não consigo mantê-las. Então adormeço.
Acordei. Um lugar estranho, olho para o meu corpo e não vejo nada de errado, nenhuma dor ou deformação. Apenas uma solidão imensa! Sinto amor, dor, desespero, saudade... e nada posso fazer. Tento me levantar, mas sou impedida.
Uma voz me diz que devo descansar, ainda. Pergunto pelas pessoas que conheci, e a voz me responde que um dia, estaremos todos juntos, mas que ainda levará algum tempo. Diz-me para ter paciência, e que em breve, estarei pronta.

_ Pronta para quê?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Strip-Tease

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.

Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.

Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".

Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."

Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".

Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".

Por fim, a última peça caía, deixando-a nua
"Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".

E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.


(Martha Medeiros)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Vampiros

Vampiros existem, e podem estar em qualquer lugar. Fique atento! Eu não acredito em gnomos ou fadas, mas vampiros estão em todo lugar, no estacionamento, no shopping, na casa ao lado, na escola, no bar, e até mesmo naquele site de relacionamentos. Eles tem um comportamento ‘ritual’, se aproximam, jogam uma conversa fiada, pedem seu telefone, ligam no outro dia, te convidam para um cinema, ou um jantar, fique ligado! E quando você menos espera, está rendida a este predador, e entrega a ele não apenas seu lindo pescocinho, mas muito mais. Este ‘mais’ você com certeza vai acabar descobrindo com o tempo. Vampiros te tratam bem, são inteligentes, cultos, com presença de espírito e conhecimento da vida, eles te cegam. Você se convence de que conheceu uma pessoa legal, e fixa sua mente nisto. É neste momento que ele age. Começam a sugar você. Você custa a se dar conta de que são vampiros, até parecem gente. Sugam tudo que podem, sugam você todinha. Sugam seu amor, sua confiança, sua tolerância, sugam sua fé, seu tempo, suas ilusões. Eles deixam você murchinha, e não deixam nem um pouco para você se levantar depois. Até que um dia você acorda e descobre que se envolveu com um vampiro, descobre que tudo deu e nada recebeu em troca, que amou pelos dois, que foi sempre o ombro amigo, que sempre esteve a disposição, e viveu tão solitariamente, que hoje se encontra aí, mais carniça do que carne.
Esta não é apenas uma historinha de terror da ficção, é uma realidade que se repete ano após ano, a séculos. É de dar medo. O morcegão surge com uma carinha de fome e cansaço, como se não tivesse dormido a noite toda, então você oferece abrigo, uma conversa, uma força, um abraço. Até que você começa a oferecer demais, é quando ele vem e te suga. E de barriga cheia, ele se revitaliza, bate as asinhas e some. Acontece em todo canto do mundo, não só na Transilvânia. Acontece também entre amigos, colegas de trabalho e familiares.
Doe seu sangue para hospitais, para um sonho, um projeto de vida, não para vampiros, que sempre vão lhe pedir mais e jamais lhe retribuir.